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Mostrando postagens de abril, 2014

A visão do caingangue

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Era noite fechada. A floresta escura contrastava com a luz das estrelas, que piscavam como diamantes. A lua cheia fazia clarões em alguns pontos da mata e um ouvido mais atento podia distinguir os sons produzidos pela coruja, pelos sapos, feras, macacos e grilos. O ruído das folhas podia ser resultado da ação do vento, mas também de algum animal selvagem, ou ainda de uma serpente venenosa, pronta para dar o bote... até mesmo de um inimigo, de alguma tribo rival. Todo o cuidado era pouco para transitar pela floresta depois do entardecer. Mesmo para um índio experiente como Kaloré, que na linguagem dos caingangues quer dizer “campo das árvores pintadas”, tinha de ficar esperto. Não por acaso, transitar pela mata era uma das atividades mais prazerosas de sua vida. Nem se importava com os perigos. “Viver é correr riscos”, dizia. Enquanto o vento de outono soprava e agitava as folhas, uma coruja se mantinha imóvel, porém vigilante, na parte mais alta de uma embaúva.  Seus olhos gra

Ser, ou não ser...

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“Ser, ou não ser, eis a questão.” A célebre frase do príncipe Hamlet da Dinamarca na peça teatral que leva seu nome é possivelmente a mais conhecida quando se trata do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare, que nasceu em 23 de abril de 1564 e morreu em 23 de abril de 1616, aos 52 anos, em Stratford-upon-Avon. O poeta nacional da Inglaterra, orgulhosamente chamado de “Bardo do Avon”, mundialmente famoso também por outras peças, como Romeu e Julieta, A Tempestade, Macbeth e Sonhos de uma noite de verão, este mês é especialmente celebrado por seus 450 anos de nascimento. E enquanto artistas e admiradores das artes cênicas repercutem o incomensurável legado atemporal deixado por Shakespeare à dramaturgia ocidental – que retrata as paixões, ambições e o lado obscuro do ser humano – há os que contestem a autoria de suas obras. Os mistérios relacionados à vida e à obra do mais celebrado bardo do Reino Unido são levantados pelo escritor norte-americano James Shapiro. “Q

O reflexo de Peter Pan

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"Ela lhe contou histórias, ele a ensinou a voar...” Ao folhear uma edição do clássico “Peter Pan and Wendy”, lançado em 1915 pelo escritor inglês J. M. Barrie, o advogado Pedro se sentia voltando no tempo. O cabelo curto e aparado, os óculos, o terno e a gravata lhe davam um ar austero, como exige a profissão, mas seus olhos brilham como esmeraldas ao percorrer aquelas páginas mágicas.  Lembra de quando era pequeno, na casa dos avós, das aventuras no sítio, das escaladas ao pé de goiaba, das jabuticabas e amoras furtadas do vizinho, dos banhos no riacho, dos jogos de esconde-esconde... de quando se escondia do avô, para desespero do velho, dos “assaltos” à geladeira, quando todos dormiam...  À sua maneira, já se sentiu Peter Pan um dia, sim! Quando liderava os meninos da escola para atirar aviões de papel no tímido professor de Matemática, a espiar as meninas e a assobiar enquanto subiam as escadas, a dar desculpas esfarrapadas ao diretor por ter faltado às aulas de História... C

A escalada da montanha

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Os raios solares ainda não tinham despontado no horizonte, apesar da noite já ter se despedido, dando lugar à luz do dia. Enquanto subia vagarosa e tenazmente pela trilha que o conduziria até o topo da montanha, o monge ancião, de longos cabelos    grisalhos e de barba comprida, se apoiava no cajado para aliviar o cansaço.  A roupa vermelha de algodão rústico e as sandálias de couro ajudavam a manter o corpo mais arejado. Se bem que a temperatura era amena. A primavera garantia dias de sol e chuva intercalados e equilibrados. - Ainda bem que não é inverno, senão eu não conseguiria chegar até lá vivo... Ah,  minhas pernas cansadas! Que saudade dos meus 20 anos! Hoje o meu corpo parece um calhambeque velho que não sai da oficina... Resmungar em voz alta o fazia sentir menos solitário enquanto caminhava pela estrada arenosa. Lá em frente, a poucos metros, já podia ver o solo começava a se elevar. Respirou fundo, fez um alongamento e ajeitou as costas para encarar o morro. Mais