Crônica - O menino que praticava furtos
Domingo passado fui a São Francisco do Sul. Fazia tempo que não ia para aqueles lados. Nas últimas vezes que lá estive, a serviço do Jornalismo, foi com hora marcada e sem tempo para usufruir dos encantos da cidade mais antiga do Sul do Brasil.
Quando se fala em “São Chico”, imediatamente associamos às belas praias, às delícias à beira-mar, aos petiscos, à cerveja gelada, ao milho verde, sorvetes, a corpos ao sol, às caminhadas ao longo da orla, às inúmeras festas, diversão e azaração... Nos lembramos dos apelos publicitários: turistas debaixo de um guarda-sol, se embalando na rede, à sombra de uma árvore, bebendo água de coco...
Porém, não era esse o meu foco naquele dia. Eu queria “viajar”, sim, mas pelo Centro Histórico! Admirar os casarios e ruelas de pedras, a arquitetura trazida pelos imigrantes portugueses que, segundo uma amiga luso-brasileira, lembra o Aveiro, na região central de Portugal. Visitei o Museu Histórico, o do Mar, o de Arte Sacra e o do Forte.
De tudo o que vi, o que mais me impressionou foi o Museu Histórico, na
entrada da cidade, em uma linda edificação restaurada, nas cores azul claro e
branco. O monitor se mostrou extremamente solícito. Fez questão de detalhar
sobre o descobrimento da cidade, em 1504, na expedição de Binot Paulmier de Gonneville,
do povoamento, em dezembro de 1641, da então “Vila de Nossa Senhora da Graça
do Rio São Francisco”. Documentos, imagens, móveis, armamentos e tudo o
mais conduziu ao túnel do tempo.
Em determinado momento, o atencioso guia informou que parte daquele
prédio era destinado à Justiça e a outra parte, à cadeia. Mostrou uma espécie
de balaio onde eram presas as mulheres e crianças – pasmem! – a partir dos 10
anos de idade.
Estamos falando do século passado, da época em que ainda não existia o
Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente, muito menos projetos
sociais em comunidades carentes. Quantas crianças ingressaram no mundo do crime
impulsionadas pela fome, violência e desestruturação familiar, sem a mínima
chance de voltarem atrás? Quantas poderiam ter sido salvas se ao menos tivessem
uma chance para escolher outro caminho? Por que penas tão severas?
O monitor prossegue. Conta que a cadeia só registrou duas fugas, do mesmo fugitivo, que entrou aos 10 anos e saiu aos 17. Era um menino magro, franzino, que nas vezes que fugiu se dirigiu ao porto, em busca da comida distribuída pelos marinheiros. Uma vez, se espichou tanto que escapou pelo buraco usado para receber a refeição. O juiz pensou que a fuga foi facilitada pelo carcereiro e prendeu o agente. O jovem negou. Mostrou como saiu entrando de novo na cela, mas a barriga entalou, por causa da comida do porto, e ele apanhou do juiz...
O monitor prossegue. Conta que a cadeia só registrou duas fugas, do mesmo fugitivo, que entrou aos 10 anos e saiu aos 17. Era um menino magro, franzino, que nas vezes que fugiu se dirigiu ao porto, em busca da comida distribuída pelos marinheiros. Uma vez, se espichou tanto que escapou pelo buraco usado para receber a refeição. O juiz pensou que a fuga foi facilitada pelo carcereiro e prendeu o agente. O jovem negou. Mostrou como saiu entrando de novo na cela, mas a barriga entalou, por causa da comida do porto, e ele apanhou do juiz...
Fiquei imaginando o desespero daquele menino, trancafiado tão cedo porque
praticava furtos... O carcereiro confirma: mais tarde o menino se transformou
em um bandido que usava a luz vermelha para furtar casas, cumpriu três décadas
de pena, enlouqueceu, foi solto e morreu assassinado... “Será que essa história
poderia ter tido outro fim?”, me perguntei. Saí angustiada, sem a resposta.
Em
tempos de discussão sobre a Redução da Maioridade Penal, vale uma reflexão criteriosa
sobre o tema.
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