CONTOS DE SOLIDÃO - A árvore centenária

Todos os dias, quando chegava a noite, Sofia se sentava de frente para a grande árvore, do outro lado da calçada. Da varanda da casa, ela admirava a imponência daquele ser vivo, tão altivo, corajoso e saudável em meio à selva de pedra. “Com certeza, tinha sido plantada há mais de 100 anos!”, pensava. Gerações chegaram e se foram, e lá estava ela, grandiosa, firme, impávida…

Quando chovia, as folhas verdes ganhavam uma aparência envernizada, de tão brilhantes, e as gotas de água mais pareciam pedras preciosas. A cada outono, o número de folhas amarelecidas se misturava com as verdes. E quando a enxurrada inundava a rua e arrastava tudo o que via pela frente, algumas folhas caíam como cascata e cobriam o chão. Mais parecia um tapete bicolor a contornar o grande tronco.

Eram nesses momentos que Sofia ficava acompanhando a ação da chuva e do vento, que sacudia os galhos para lá e para cá. Os galhos sempre conseguiam segurar a maior parte das folhas.

O ruído lembrava o farfalhar de um vestido de seda, “daqueles que as mulheres usam em eventos de gala”, imaginava a menina.

O que mais a impressionava era a energia que a árvore transmitia para ela, com suas fortes raízes fincadas no chão e seu tronco largo e maciço. Se sentia tão frágil, em comparação com a grande árvore! Magra, tímida e introvertida, a adolescente sempre se sentia intimidada ao avistar a grande árvore, ao longe…

Não era do tipo que passava as tardes no shopping com as amigas, muito menos nas baladas. Vivia para os estudos, e seu isolamento, muitas vezes interpretado como arrogância e altivez, nada mais era do que fruto de sua própria insegurança.

Ela já tinha lido em algum lugar que para recobrar as energias, bom mesmo era abraçar uma árvore e absorver um pouco da força emanada do tronco, mas nunca teve coragem de atravessar a rua para conferir isso.

Aquela árvore, que sempre atraía lindos pássaros em sua copa, era abrigo do sol e da lua, e também de casais que buscavam privacidade. “Ah, se essa árvore falasse!”, pensou, em voz alta. Até em dia de trovoada, mesmo com os raios, havia os que preferiam se arriscar e ficar embaixo de seu tronco. A centenária sempre transmitia segurança a quem passava.

Em vários momentos, Sofia lembrava da ótica espiritualista, da “árvore da vida”, associando sua estrutura ao corpo humano. E que na Índia, as árvores bodhi são chamadas de “árvores da felicidade”…

Hoje, a maior parte do dia foi quente, e o sol cobriu a árvore com seus raios. O poente se foi há poucos minutos. Ainda há luz do dia.

Como que impulsionada por uma força invisível, Sofia se encheu de coragem, levantou, caminhou até o portão, atravessou a rua e foi de encontro à grande árvore. Ela colocou as mãos no tronco rugoso, sentindo a textura, fechou os olhos e o abraçou, com toda a força. Lágrimas começaram a escorrer de seu rosto, mas dessa vez não eram de tristeza Queria receber toda a energia possível, para se sentir tão forte quanto a grande árvore centenária…

Enquanto abraçava o largo tronco, uma força indescritível tomou conta de todo o seu corpo, e um sorriso finalmente começou a surgir em seus lábios. Sofia ficou por longos minutos ali, agarrada à grande árvore, até que decidiu voltar para casa e tirar a cadeira da varanda, para espanto dos vizinhos. Estava decidida a não ser mais uma mera espectadora na vida!

Lembrou que suas colegas de escola iam assistir uma comédia no cinema, e decidiu confirmar que iria, para surpresa geral. Se sentia forte e pronta para enfrentar a vida, enfim…



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