CONTOS DE SOLIDÃO - A cerimônia do chá
A sala estava impecavelmente limpa e
arrumada. Quatro horas de preparação até a chegada daquele momento. O tatame
estava precisamente no meio do recinto. Um quadro com ideogramas japoneses e um
vaso de ikebana, com flores, folhas, galhos, frutos e plantas secas adornavam o
lugar e transmitiam uma sensação maravilhosa de bem-estar.
Tudo lá foi arranjado, meticulosamente,
para conduzir à harmonia, respeito, pureza e tranquilidade. Lá fora, o sol
começava a se despedir com o cair da tarde, mas seus raios ainda atravessavam
timidamente as persianas de madeira. Emanavam calor na medida certa.
Eis que chega a tão aguardada cerimônia
do chá. O convidado entra no recinto, não sem antes tirar os sapatos, para
depois se ajoelhar no tatame, com uma reverência de cabeça. Ele está nervoso,
suas mãos tremem. Do outro lado, à sua frente, a anfitriã repete seu gesto e o
ritual começa quando ela serve um doce num guardanapo ao convidado, que sorve
cada pedaço, sem pressa. Por um longo momento, seus olhares se encontram.
Depois, os dois baixam os olhos.
Ela então pega um lenço e
cuidadosamente começa a purificar os potes onde serão servidos o chá. Primeiro,
pega a concha de madeira para em seguida pegar a água aquecida e colocar nos
potes. Depois abre o recipiente com o chá em pó e o mistura nos potes, em
movimentos circulares.
Só então ela entrega o pote ao homem à
sua frente, e suas mãos se tocam. Ele gira o pote e fica admirando a pintura a
mão da delicada porcelana. Depois ela repete o ritual e finalmente ambos
começam a beber o chá, vagarosamente, como se quisessem esticar aquele breve
momento. A tradição milenar do chá os mantém unidos em corpo e alma.
Agora seus olhos se fitam
profundamente, enquanto lágrimas involuntárias começam a escorrer de seus
rostos. Ambos sabiam que aquele momento iria acontecer. A despedida era
inevitável, mas como evitar o turbilhão de emoções desse momento? Como esquecer
a beleza e a intensidade do que viveram?
O ritual do chá chega ao fim. Está na
hora do convidado partir. Num impulso, a anfitriã pega seu pote, toma um gole e
imediatamente oferece outro gole ao convidado, que retribui o gesto, quebrando
as regras daquela tradição milenar.
Agora os dois unem suas mãos em sinal
de prece, na altura do coração, e inclinam suas cabeças um para o outro, num
gesto de reverência e agradecimento mútuo.
Com dificuldade e ainda com lágrimas
nos olhos, o convidado se levanta e se dirige para a porta andando para trás,
sem voltar as costas para a anfitriã.
- Nunca vou esquecer o que vivemos
aqui, por mais que passem os anos!, diz o convidado, com a voz embargada.
- Eu também nunca vou esquecer!,
responde a mulher, emocionada, enquanto ele alcança a porta e se dirige
resolutamente para a estrada.
Naquele dia, durante muitas horas, ela
ainda permaneceu ali, ajoelhada sob o tatame, relembrando aqueles felizes e
fugazes dias que antecederam a partida do samurai.
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