O reflexo de Peter Pan

"Ela lhe contou histórias, ele a ensinou a voar...” Ao folhear uma edição do clássico “Peter Pan and Wendy”, lançado em 1915 pelo escritor inglês J. M. Barrie, o advogado Pedro se sentia voltando no tempo. O cabelo curto e aparado, os óculos, o terno e a gravata lhe davam um ar austero, como exige a profissão, mas seus olhos brilham como esmeraldas ao percorrer aquelas páginas mágicas. 

Lembra de quando era pequeno, na casa dos avós, das aventuras no sítio, das escaladas ao pé de goiaba, das jabuticabas e amoras furtadas do vizinho, dos banhos no riacho, dos jogos de esconde-esconde... de quando se escondia do avô, para desespero do velho, dos “assaltos” à geladeira, quando todos dormiam... 

À sua maneira, já se sentiu Peter Pan um dia, sim! Quando liderava os meninos da escola para atirar aviões de papel no tímido professor de Matemática, a espiar as meninas e a assobiar enquanto subiam as escadas, a dar desculpas esfarrapadas ao diretor por ter faltado às aulas de História... Comparando com a agressividade e desrespeito de parte dos alunos de hoje, até se sentiu um “santinho”...

Mas o tempo passou, o ensino médio terminou, veio o vestibular, a faculdade... E aos poucos, aquele “menino que não queria crescer” passou a assumir responsabilidades, a pagar contas... E ele trocou a camiseta, o tênis e a calça jeans por ternos, camisas com botões e sapatos sociais... O tempo passa, o tempo voa...

“Então venha comigo, onde nascem os sonhos, e o tempo nunca é planejado. Basta pensar em coisas alegres, e seu coração vai voar nas asas, para sempre, na Never Never Land!”... E Pedro seguia lendo e olhando as ilustrações de Peter Pan e Wendy na mágica Terra do Nunca, onde não se cresce e os “pensamentos felizes fazem a gente voar”.

- Bom seria se pelo menos uma vez por ano, nas férias, os homens pudessem deixar tudo para trás e voar para a Terra do Nunca, voltar à adolescência, brincar com os meninos perdidos, lutar e vencer o Capitão Gancho!, disse em voz baixa, sem conter um sorriso maroto.

- Imagina se os meus colegas do escritório de advocacia me vissem dizendo isso! Com certeza iriam dizer que surtei... O iphone toca e repentinamente traz de volta o advogado Pedro para o mundo real.

- Alô! Sim, sou eu mesmo! Do que se trata? Pensão alimentícia? Bem, melhor falarmos no escritório... A senhora me encontra daqui a meia hora lá, pode ser? Ok, combinado. Até mais!

Pedro pega a pasta de documentos, se volta para o espelho da sala e se olha rapidamente, antes de sair. Por um breve momento, teve a impressão de se ver vestido de Peter Pan...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Conto - De volta ao Velho Oeste

Gatos e humanos

BIENVENIDA A URUGUAY - PARTE 1