Crônica - Uma ponte entre o passado e o presente

As minhas melhores lembranças da primeira infância me remetem à casa da oma Clara e do opa José, no bairro São Geraldo, em Porto Alegre. E por serem lúdicas, e por estarem relacionadas à felicidade e ingenuidade da primeira infância, é que essas lembranças  são tão vívidas.
Meus avós maternos eram pessoas simples, sem muito estudo, que levavam uma vida franciscana, mas esbanjavam atenção e carinhos aos netos. Volta e meia lembro com nostalgia das rosas e das orquídeas tão bem cuidadas do canteiro de minha oma. Lembro também do meu opa chegando com o pão preto e o peixe defumado que eu gostava tanto, saboreados na refeição noturna.
Minha avó era exímia na cozinha, especialmente nos doces e sobremesas, na preparação de compotas, assim como nas habilidades com o bordado, tricô e crochê. Quantos casacos, blusões e cachecóis que ela me fez amenizaram o rigoroso inverno gaúcho? Perdi a conta!
Marceneiro, vovô José era hábil no manuseio das ferramentas e da madeira. Alguns móveis da casa ele mesmo fazia, e posso dizer que tenho o privilégio de ainda ter comigo uma mesa e uma coluna feitas por aquelas mãos calejadas e laboriosas, que hoje estão revitalizadas na sala de estar...
Mesmo aposentado, volta e meia ele produzia mimos, como caixinhas de madeira e brinquedos, feitas na oficina que mantinha nos fundos da casa de alvenaria antiga, dessas que hoje o Patrimônio Histórico costuma tombar... Fechando os olhos e voltando no tempo, quase consigo sentir o cheiro da madeira e ouvir o som do serrote, da plaina, do lixamento das peças e das marteladas...
Lembro também da agitação, da afetuosidade efusiva e dos latidos e da cachorrinha Bela, que me acompanhou até a adolescência, depois mesmo que os dois já haviam... Do pomar de frutas cítricas, do pessegueiro, do canteiro de temperos e do espaço onde vovó Clara colocava a roupa branca para “quarar” no sol...
A duas quadras dali tinha a praça, onde muitas vezes brinquei no balanço, na gangorra, no escorregador, com o baldinho e a pá, na areia do parquinho... As árvores e a grama refrescavam nos dias de calor.
No último final de semana, depois de décadas, decidi rever aquele lugar. Queria fazer uma ponte entre o passado e o presente.
Corajosamente, percorri a Praça Pinheiro Machado de minha infância, mas confesso que pouco encontrei daquele tempo. Onde antes haviam crianças alegres, hoje estão instalados sem-teto, excluídos que buscam a felicidade de forma artificial e, muitas vezes mortal...
Contornando a Praça, ainda busquei o obelisco onde ficava a placa de bronze em homenagem a Pinheiro Machado, que já havia sido arrancada... O que sobrou de bom foi o gramado, as árvores e as flores, o prédio do pré-escolar... Que alívio! Essas imagens amenizaram a decadência geral do local...
Depois fui buscar a casa dos meus avós. Será que ainda está de pé? Será que tem um edifício no lugar? Não! A casa antiga está lá, mas totalmente descaracterizada, com muro e portão altos, tornando a visão interna inacessível. Com certeza, hoje não existe mais o canteiro, nem o galpão, nem nada do meu tempo de criança... Soltei um longo suspiro. Uma certa tristeza me invadiu naquele momento, mas imediatamente me recompus.

O tempo passou, mudaram os proprietários, o mundo girou muitas e muitas vezes de lá para cá... Eu tinha feito a ponte entre o passado e o presente, e sempre terei boas lembranças a carregar na memória. Foi aí que agradeci ao Universo por ter boas recordações dos meus avós, que nunca irão se alterar, e fui embora feliz.  

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